URTICÁRIA AGUDA NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA
Autora:
Raquel Pitchon, MD.
Especialista em Pediatria pela Sociedade Brasileira de Pediatria ( SBP)
Especialista em Alergia e Imunologia Pediátrica pela SBP
Especialista em Alergia e Imunologia pela Associação de Alergia e Imunopatologia
Mestre na área da Saúde da Criança e Adolescente pela Universidade Federal de Minas Gerais
Professora da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais
O QUE É A URTICÁRIA AGUDA E COMO SE MANIFESTA?
A urticária aguda é uma dermatose que se manifesta pelo aparecimento transitório de pápulas e/ou placas eritematosas, levemente elevadas e frequentemente acompanhadas de prurido intenso. As lesões são polimórficas , transitórias, podem coalescer e se resolvem completamente, sem deixarem cicatrizes na pele. Elas podem ser acompanhadas de edema do tecido subcutâneo e intersticial, denominado angioedema, que pode atingir as pálpebras, lábios, língua, articulações, extremidades, genitália e até a glote. ( FOTO 1 )
Na maioria dos casos a erupção é autolimitada, de curta duração e se resolve após alguns dias. No entanto, pode ser recorrente e caso persista por mais de seis semanas, é classificada como urticária crônica.
Em algumas situações a urticária aguda precede quadros alérgicos graves como a anafilaxia e nesse caso necessita tratamento urgente e esse tema será visto separadamente.
A doença é causada pela liberação de histamina e outros mediadores inflamatórios, especialmente dos mastócitos e basófilos. Ela pode ou não envolver reações de hipersensibilidade do Tipo I mediada pela imunoglobulina E .
A prevalência dessa patologia é elevada e pode ocorrer em até 20% da população, pelo menos uma vez na vida.
QUAIS AS CAUSAS MAIS FREQUENTES DE URTICÁRIA AGUDA NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA?
As infecções são as causas mais comuns de urticária em crianças. O mecanismo fisiopatológico ainda não é esclarecido. Os agentes infecciosos comumente associados à urticária incluem vários vírus como: rinovírus, rotavírus, enterovirus, adenovírus, Epstein-Barr, hepatite A, hepatite B, hepatite C, herpes Vírus, da imunodeficiência humana, coxsackievírus , Sars- Cov- 2 entre outros.
As doenças bacterianas como as estreptococcias do grupo beta hemolítico, M. pneumoniae e H. pylori também são relatados como causas de urticária, assim como os fungos: Tricophyton sp, Candida sp. São ainda descritos quadros de urticária aguda associados a infecções parasitárias: Blastocystis hominis, P. Falciparum, Anisakis simplex, Giardia lamblia, Ascaris, Strongiloydes, Entamoeba e Trichinella.
As doenças sistêmicas raramente são causas da doença , mas a urticária pode estar associada à tireoidite de Hashimoto, mastocitose, lúpus eritematoso sistêmico, Síndrome de Sjögren, artrite reumatóide, vasculite, doença celíaca e linfoma.
Os principais fatores causais são citadas no QUADRO I. No entanto, algumas vezes não é possível a identificação do fator etiológico.
QUADRO I - AGENTES ETIOLÓGICOS DA URTICÁRIA AGUDA
COMO FAZER O DIAGNÓSTICO?
O diagnóstico de urticária é geralmente clínico. O primeiro passo na avaliação da urticária e angioedema é realizar uma história e exame físico para caracterizar as lesões e ajudar a identificação das suas causas. Elementos importantes da história incluem início, tempo de duração, localização e gravidade dos sintomas e a pesquisa dos possíveis desencadeantes ( QUADRO I);
O exame físico deve ser completo e pode oferecer as pistas para identificação do fator etiológico da doença.
É fundamental descartar anafilaxia.
Portanto, usualmente não são necessários exames laboratoriais. Caso o quadro seja sugestivo de uma causa específica ou doença subjacente, os exames complementares devem ser direcionados para a hipótese etiológica e avaliados individualmente e incluir :
• Hemograma.
• Proteína C reativa.
• Velocidade de hemossedimentação.
• Urina rotina.
• Exame parasitológico de fezes.
• Sorologia para doenças infecciosas suspeitas.
• Pesquisa direta, por teste rápido, do estreptococo beta-hemolítico do grupo A e / ou gram e cultura de orofaringe.
• Sorologia para investigação de doenças autoimunes reumatológicas.
• Exames de imagem para pesquisa de possível malignidade ( causa rara de urticária).
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL:
• Dermatite de contato aguda
• Celulite
• Linfedema
• Tumor facial
• Lupus eritematoso e outras doenças auto-imunes
• Dermatomiosite
• Trombose do seio cavernoso
• Choque séptico
• Choque cardiogênico
• Arritmias cardíacas
• “Overdose”
• Síncope vasovagal secundária a stress ou dor intensa
• Vasculites
COMO TRATAR O PACIENTE?
Deve-se eliminar e evitar o agente suspeito que possa ter desencadeado a urticária aguda, angioedema e/ou anafilaxia .
É recomendável que os pacientes evitem usar aspirina, outros anti-inflamatórios não hormonais , porque estes podem piorar o quadro. Aproximadamente 2/3 dos pacientes com o quadro agudo poderão ter remissão espontânea das lesões. No entanto caso os sintomas persistam os anti-histamínicos estão indicados.
Preferencialmente utilizamos os anti-histamínicos H1 de segunda geração, que são a primeira escolha para iniciar a terapêutica. Eles são relativamente não sedativos em doses padrão, no entanto podem ser necessárias doses elevadas desses medicamentos para controle da doença, o que é realizado individualmente. Evitamos o uso dos Anti-histamínicos H1 de primeira geração, como hidroxizine e dextroclorfeniramina. Esses agentes são lipofílicos e cruzam prontamente a barreira hematoencefálica, causando efeitos colaterais sedativos e anticolinérgicos que podem ocorrer em até 20% dos pacientes. Sedação significativa e comprometimento do desempenho (por exemplo, habilidades motoras finas, habilidades de direção e tempos de reação) são relatadas. Os efeitos colaterais anticolinérgicos incluem boca seca, diplopia, visão turva, retenção urinária ou secura vaginal.
No Brasil não temos disponibilidade de anti-histamínicos de segunda geração para uso venoso e/ou muscular. Portanto, quando necessário, em crianças maiores de dois anos de idade, utilizamos a prometazina (cloridrato de prometazina, ampola de 50 mg/2ml, solução Injetável 25 mg/mL, na dose na dose de 0,5 mg/kg/dose, duas à quatro doses ao dia, até o máximo de 25mg por dose ) ou difenidramina (cloridrato de difenidramina, ampola de 50 mg, solução Injetável 50 mg/mL, na dose de 5 mg/kg/24 horas divididas em 3 ou 4 doses, até o máximo de 50mg por dose ) por via muscular ou venosa em infusão lenta.
Em casos não responsivos pode ser necessário o uso de medicação adjuvante que incluem os anti-histamínicos H2, por exemplo a cimetidina, antagonistas dos receptores de leucotrienos e cursos curtos de corticosteroides sistêmicos.
O tratamento do angioedema agudo é similar ao tratamento da urticária embora os corticosteróides são mais comumente recomendados.
Nos casos de anafilaxia, angioedema da laringe e língua é indicada a aplicação imediata de epinefrina/ adrenalina por via intramuscular no vasto lateral da coxa e a abordagem das vias aéreas.
FOTO 1 – Criança de 18 meses com urticária aguda induzida por vírus
FOTO 2 – Angioedema em criança de 5 anos, induzido por dipirona
FOTO 3 – Urticária em lactente 7 meses induzida por proteína alimentar ( ovo)
Referências:
1. Huang, S.-W. (2009). Urticária aguda em crianças. Pediatria e Neonatologia, 50 (3), 85-87. doi: 10.1016 / s1875-9572 (09) 60041-3)
2. Schaefer P. Acute and Chronic Urticaria: Evaluation and Treatment. Am Fam Physician. 2017 Jun 1;95(11):717-724.
3. Sackesen C, Sekerel BE, Orhan F, Kocabas CN, Tuncer A, Adalioglu G. The etiology of different forms of urticaria in childhood. Pediatr Dermatol. 2004;21(2):102-108.
4. Trevisonno J, Balram B, Netchiporouk E, Ben-Shoshan M. Physical urticaria: review on classification, triggers and management with special focus on prevalence including a meta-analysis. Postgrad Med. 2015;127(6): 565-570.
5. Assero R. New onset urticaria. Post TW, ed. UpToDate. Waltham, MA: UpToDate Inc. https://www.uptodate.com (Accessed on August 11, 2020.)
6. Guia prático de atualização de atualização em anafilaxia da Sociedade Brasileira de Pediatria. https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/2012/12/Alergia-GuiaPratico-Anafilaxia-Final.pdf
7. Pitchon R., Reis P.A., Souza C.A, Vieira B,, Couto S.C, Ribeiro M.P.H. Manejo da anafilaxia e a importância dos autoinjetores de epinefrina. Rev Med Minas Gerais 2016; 26 (Supl 6): S65-S75. http://www.dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20160060
8. Marcus S. Shaker S.M et al. Anaphylaxis—a 2020 practice parameter update, systematic review, and Grading of Recommendations, Assessment, Development and Evaluation (GRADE) analysis. https://www.aaaai.org/Aaaai/media/MediaLibrary/PDF%20Documents/Practice%20and%20Parameters/Anaphylaxis-2020-grade-document.pdf